Gagarin, o homen que disse: A Terra é azul!
50 ANOS DO HOMEM NO ESPAÇO
Hamilton Caio dos Santos Vaz (*)
Há exatos 50 anos atrás, no dia 12 de abril de 1961, o homem rompia o cordão umbilical que o ligava à sua Mãe-terra. Agora já podia fazer companhia à Lua, orbitando na volta da Terra como ela, que sempre fora motivo de admiração – e até adoração em tempos primitivos, principalmente em noites de luar, desde há milênios em seu berço africano.
Esse dia 12 de abril amanheceu para mim como outro qualquer. Era dia de aula no Estadual, uma 4ª feira, o ginásio chegando ao término. Próximo ao meio-dia, eu estava em casa me preparando para a aula. A única mudança na minha rotina foi que eu perdi o horário do Repórter Esso, um noticiário que eu sempre escutava na primeira hora da manhã. Nesse horário meu pai já havia saído para o trabalho, caso contrário ele me acordaria com a notícia. Ao meio-dia, ouvi pela Rádio Difusora a notícia da ida do homem ao espaço. Quem ocupou o microfone não foi o locutor tradicional do horário, mas alguém mais graduado na emissora, que pela maneira de falar não era locutor, mas nunca cheguei a saber quem teve a honra de transmitir tão importante acontecimento. Talvez fosse o fundador da rádio, Vicente Gallo Sobrinho, pela voz calma e pelas palavras bem medidas que pronunciava. A minha surpresa foi grande, e mais ainda a minha contrariedade, eu havia perdido a oportunidade de saber desse acontecimento mais cedo, não tivesse deixado de ouvir os noticiários da primeira hora. Até hoje eu imagino como teria sido essa notícia na voz do Heron Domingues, em edição extraordinária: “Moscou, urgente, urgente! A agência Tass informou hoje de manhã que o cosmonauta Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem...”
Yuri Alekseyevith Gagarin realizou esse feito para a humanidade, a bordo de sua nave Vostok, e como os antigos navegadores, ele viajou por mares nunca dantes navegados e chegou ao cosmos. Subiu ao espaço, entrando na órbita da Terra, fazendo uma volta completa e descendo novamente nos arredores da base de lançamento, 1 hora e 48 minutos depois. A sua façanha assombrou o mundo e ativou ainda mais disputa na corrida espacial entre a antiga União Soviética (URSS) e os Estados Unidos, que havia começado em 4 de outubro de 1957, com o lançamento do Sputnik, a primeira nave, o primeiro satélite artificial, e tudo isso no auge da chamada “guerra fria”, um estado de tensão e disputa entre as duas grandes potências que emergiram logo após o silenciar dos canhões da 2ª grande guerra mundial. A reação a viagem do russo Gagarin ao espaço foi tal que, 23 dias depois, Allan Shepard Jr foi enviado ao espaço, como o primeiro astronauta americano, mas fazendo um vôo suborbital, de 16 minutos.
A história da aviação e a dos foguetes para viajar ao espaço, parece que começaram mais ou menos juntas, com sonhos bem remotos e experiências bem antigas. O homem primitivo olhava os pássaros voando e imaginava fazer o mesmo para fugir das feras e não precisar mais subir em árvores ou correr para sua caverna, aí começava o sonho. Os sonhos viraram lendas, como a de Ícaro na Grécia antiga. Da imaginação para a prática, a primeira experiência conhecida para se elevar no ar é a dos irmãos franceses Joseph e Jacques Montgolfier, na penúltima década do século XVIII, com balões de ar quente, atingindo até 2.000 metros de altura em voo livre e em outra experiência chegando a ser tripulado por um voluntário, mas preso ao solo por uma corda e chegando até perto de 30 metros de altura. Já o foguete, que é do que falamos no momento, começa com a invenção da pólvora pelos chineses e o uso em fogos de artifício, por volta de 220 A.C. A partir daí, o uso dos foguetes continua até o século XIX, já como arma de guerra, e mais assustando do que produzindo danos.
Enquanto isso, ainda no século XVI, dois astrônomos que foram contemporâneos, o italiano Galileu Galilei (1564 – 1642) e o alemão Johannes Kepler (1571 – 1630) produziam os primeiros grandes avanços no estudo dos astros. Kepler estabeleceu as primeiras leis que regem o movimento dos corpos celestes. Galileu descobriu a “lei da inércia” e inventou a luneta, a partir de um instrumento simples que comprou. Um ano após a morte de Galileu, nascia Isaac Newton, na Inglaterra, talvez o maior gênio científico que a humanidade conheceu. A partir dos trabalhos de Galileu e Kepler, Newton estabeleceu em 1687 a “Lei da gravitação universal", além de demonstrar que a luz branca solar era na verdade uma mistura daquelas sete cores que estudamos no ginásio, o que viria a proporcionar o aperfeiçoamento do telescópio e, por conseguinte, aumentar o conhecimento da astronomia. Estava agora descrito e aberto o caminho em direção ao espaço.
Nessa trajetória para as estrelas, é interessante notar que russos e americanos tiveram seus precursores nessa área. Konstantin Tsiolkowski, nascido na Rússia (1857 – 1935), um professor primário, que começou a desenvolver, e escreveu em 1880, como autodidata, a teoria dos princípios do vôo no espaço, depois estudando física e astronomia em Moscou, e aperfeiçoando seu trabalho. E Robert Goddard (1882 – 1945), o americano, físico e engenheiro, que fez as experimentações e produziu o foguete moderno, o primeiro tinha apenas 3m de comprimento.
Lamentavelmente, ao contrário de Tsiolkowski, cujo trabalho foi reconhecido e aproveitado na sua pátria, as pesquisas de Goddard praticamente não foram usadas pelos americanos, que não acreditavam muito nessa nova propulsão. O seu trabalho foi reconhecido tardiamente.
Porém, russos e alemães eram fogueteiros de sangue. Na Alemanha da década de 20 havia entusiastas com carros e aviões impulsionados por foguetes e as viagens espaciais eram assuntos de conversa em reuniões. Na URSS (Rússia de hoje) foram criados nessa mesma época órgãos oficiais de estudo dos foguetes e das viagens espaciais.
Então, sobrevém a 2ª Guerra Mundial, e como sempre acontece em grandes conflitos, a técnica e a ciência dão um salto para suprir o esforço de guerra. O avanço alemão em foguetes já era grande, com engenheiros trabalhando com a visão no espaço. Logo eles são desviados para transformarem seu trabalho em uma máquina mortal.
Surgem as V-1, em formato de avião, e logo as temíveis V-2, o foguete moderno, com 15m de comprimento, que aterrorizou Londres já no final da guerra e que poderia ter mudado o curso da mesma, tivesse sido aperfeiçoada mais cedo.
Mas americanos e soviéticos estão atentos às V-2, com a aproximação do final da guerra. Inicia-se então uma verdadeira caçada a esses foguetes, seus equipamentos, seus técnicos e engenheiros. Os Estados Unidos acabam conseguindo a maior parte do espólio, e também o engenheiro-chefe, Wernher Von Braun, que já os procurava pacificamente para se entregar com sua equipe aos americanos.
As V-2 levadas para os dois países são o começo da corrida para o espaço. Os Estados Unidos, mais por questões burocráticas, partem atrás nessa disputa. Os russos almejavam homenagear seu grande teórico Tsiolkowski, lançando o primeiro satélite artificial no centenário de seu nascimento, 5 de setembro, mas só conseguiram lançar o Sputnik em 4 de outubro de 1957. Começava a era espacial. O acirramento da disputa aumentava. Von Braun havia tentado, disfarçadamente, lançar o primeiro satélite americano no dia 20 de setembro de 1956, mas uma inspeção de última hora, por um superior, resultou em fracasso da iniciativa. Vemos, então, que um grave erro estratégico impediu a primazia americana no espaço. No dia 1º de novembro de 1957, foi a vez do segundo lançamento russo, agora com a cadela Laika a bordo.
O impacto mundial pelo feito soviético foi enorme, e Von Braun recebeu o sinal verde para o lançamento do primeiro satélite americano, e ele conseguiu fazer isso em apenas 84 dias.
Gagarin disse ter visto a terra azul, enquanto orbitava a Terra, mas a partir daquele momento, a tecnologia advinda da exploração espacial faria o conhecimento humano se expandir em um ritmo jamais observado. E já não veríamos apenas o azul e as demais cores do espectro solar que Isaac Newton descobrira, mas milhares de matizes que a era digital iria nos proporcionar.
(*) Hamilton Caio é bageense, estudou no antigo Colégio Estadual de Bagé e desde pequeno é aficcionado pelo espaço, pela astronomia e pela aviação, tanto que, no início dos anos sessenta, com 17 anos, obteve o brevet de piloto de avião no Aeroclube de Bagé. Dono de extensa biblioteca e vasto conhecimento, hoje o Capitão Hamilton, compartilha com todos sua cultura escrevendo artigos como este, publicado hoje no blog Velha Guarda do Colégio Estadual.
NOTAS
1. A luneta que Galileu desenvolveu, teve dois precursores, o alemão Hans Lippershey que se radicou na Holanda e se tornou fabricante de óculos, e um empregado seu, um anônimo aprendiz. Este, enquanto testava umas lentes, verificou que a combinação de duas colocadas a certa distância da outra, fazia objetos parecerem mais próximos. Ele contou a descoberta para o patrão que teve a idéia de fixar as lentes nas duas extremidades de um tubo. Estava inventada a primeira luneta. A que Galileu comprou aumentava sete vezes. Ele conseguiu aumentar a capacidade para mil vezes. A partir dela, a astronomia mudava para sempre. A verdadeira Lua que ela mostrava, cheia de crateras e esburacada, profanou a visão teológica do universo que era descrito então.
2. Para se manter girando em torno da Terra, uma nave precisa da velocidade aproximada de 28.800 Km/h, necessária para criar uma força centrífuga na trajetória circular da órbita e equilibrar a força da gravidade da Terra. A velocidade do foguete depende da velocidade de escape dos gases na hora da queima. Os combustíveis usados atualmente, e naqueles lançamentos, atingem velocidade de pouco mais de 10.000 Km/h e até aproximadamente 14.000 Km/h. Para conseguir esses quase 30.000 Km/h, a solução que já previa Tsiolkowski era o uso do foguete com vários estágios. O primeiro estágio atinge, digamos, 10.000 Km/h, e se desprende. Continua o segundo estágio voando por inércia, como estudou Galileu, até atingir 20.000 Km/h, porque já tinha a velocidade inicial de 10.000 Km/h, e se desprende também, agora é acionado o terceiro estágio que acrescentará mais 10.000 Km/h, atingindo a velocidade necessária para se manter em órbita, quase 30.000 Km/h. Para escapar da gravidade da Terra e chegar até a Lua, uma nave precisará de outro estágio para acelerar até 40.000 Km/h.
3. Daquela época da disputa pela hegemonia no espaço, lembro de uma resposta irônica e bem humorada que uma personalidade americana deu a um russo que lhe endereçou uma crítica por estarem os Estados Unidos atrás na corrida espacial: “É que os alemães de vocês são melhores que os nossos”.
4. Os russos optaram pela expressão “cosmonauta”, (na tradução para o português) e os americanos usaram “astronauta”.
5. As primeiras fotos tiradas pelas sondas ou naves espaciais eram de má qualidade, porque eram transmitidas por sinal de televisão para a Terra. Nessa longa distância, o sinal analógico sofre inúmeras interferências vindas do espaço, ocasionando a baixa qualidade das imagens. Lembro que a missão da nave Mariner 4 que fotografou Marte em 1965, usou pela primeira vez a imagem digitalizada, em preto e branco. Entre o preto puro e o branco puro, foram intercalados trinta e cinco tons de cinza. Cada tom recebia uma codificação. As imagens recebidas foram excelentes para a época.
6. A Alemanha também teve o seu grande teórico dos foguetes, Hermann Oberth (1894 – 1989) de quem Wernher Von Braun foi discípulo.
7. Wernher Von Braun (1912 – 1977) foi o pai do foguete Saturno 5 que levou o primeiro homem até a Lua. O Saturno 5 tinha 111 metros de comprimento e pesava 3.300 toneladas. O V-2 que originou os demais foguetes tinha 15 metros e pesava 14 toneladas. O foguete de Goddard tinha 3 metros e pesava 230 quilogramas.
8. O cérebro em foguetes da URSS era Sergei Pavlovich Korolyev (1907 - 1966). Foi discípulo do gênio teórico Konstantin Tsiolkowski. Comandou a equipe de técnicos nos primeiros grandes lançamentos da URSS, como as séries Sputnik, Lunik, e Vostok. Foi o "Von Braun" dos soviéticos.
9. Finalmente, lembremos que o escritor francês Júlio Verne (1828 – 1905) exerceu grande influência também nos pioneiros da astronáutica, como Oberth e Tsiolkowski, com seu romance “Da Terra à Lua”.
10. Sobre a polêmica envolvendo o quase fracasso da missão de Gagarin e depois a sua morte no acidente não bem explicado com um caça, leiam trechos do livro “Starman - The truth behind the legend of Yuri Gagarin”, de Jamie Doran e Piers Bizony , transcritos na coluna de Peter Moon da revista Época, no link:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI224907-15230,00-A+TERRA+E+AZUL.html
4 comentários:
Agradeço a bondade e a fineza do Blog da EMEF João da Silva, através de suas palavras. Ultimamente, tenho dedicado uma parte do meu tempo à tarefa de transmitir conhecimentos acumulados, principalmente para a nova geração, e também para os amigos interessados nos assuntos que tenho tratado. Costumo dizer a todos que também sou um eterno aprendiz, sempre estou encontrando coisas novas para conhecer e entender. Quando transmitimos nosso conhecimento ou ensinamos algum assunto, terminamos sempre aprendendo mais um pouco, resultando em satisfação para quem ensina e para quem está aprendendo.
Essa foi uma aventura que acompanhei com entusiasmo e surpresas. Olhar para o céu e imaginar os homens lá no espaço, era sem dúvida, uma coisa inacreditável, feito digno das histórias em quadrinbhos do Flash Gordon...
Nós é que agradecemos, Hamilton! É uma honra para nós e para nossos alunos contar com um articulista tão bom quanto tu, com teu texto cheio de cultura e repleto das memórias que tanto admiramos e que tanto gostaríamos de ter compartilhado contigo. Nosso Blog está de portas abertas para ti. Sinta-se em casa!
Pois é, Vaz. É o que eu comentava com o Hamilton. Invejamos quem viveu nessa época!
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