segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ecclesia Reformata Et Semper Reformanda Est

Martinho Lutero
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ECCLESIA REFORMATA ET SEMPER REFORMANDA EST
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Rev. Ramacés Hartwig, ost (*)
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     A chamada REFORMA PROTESTANTE DO SÉCULO XVI, cuja data comemora-se em 31 de outubro, precisa ser compreendida no conjunto das demais reformas ocorridas ou em efervescência naquele período histórico da Idade Média, pois, ela aconteceu no contexto europeu de muitos questionamentos religiosos e de grandes descobertas científicas que mudaram o rumo das ciências e diversificaram o entendimento da fé cristã. Além disso, esta “reforma religiosa” não aconteceu de um momento para o outro; não é o resultado de um protesto localizado e não foi fruto só de uma cabeça, ou seja, a Reforma Protestante foi resultado de um longo processo de “reforminhas” que, com o passar de meses (ou até anos) foi tomando corpo e encontrando ressonância em outras cabeças em diferentes lugares, porém, tendo em comum os mesmos anseios e necessidades: reformar, mudar, voltar às raízes ou, resumindo, retornar às origens da fé cristã!
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     A expressão (em latim) em epígrafe quer significar IGREJA REFORMADA SEMPRE REFORMANDA, ou seja, “a Igreja deve estar em contínuo processo de atualização e contextualização da mensagem cristã” para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo e os dilemas do ser humano moderno. Sua autoria é atribuída a um teólogo holandês chamado Gisbertus Voetius (1589-1676), e foi elaborada no contexto das ardentes discussões do Sínodo de Dort (1618-1619), realizado pela Igreja Reformada Holandesa (na cidade de Dordrecht). Esta assembleia sinodal também tratou de se contrapor à grave influência do arminismo (Jacobus Arminius (1560-160) teólogo holandês) cuja afirmação central era que a “dignidade humana requer a liberdade total e perfeita do arbítrio humano” (da livre escolha). 
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A igreja de Wittenberg hoje
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     Em 1514, o padre Martinho Lutero (com 31 anos) assume a igreja de Wittenberg. Durante seu trabalho pastoral constata que muitos dos cidadãos preferem comprar “cartas de indulgência” a confessar-se com ele. Essas indulgências eram vendidas nas feiras livres com o objetivo de angariar fundos para a construção da Basílica de São Pedro (em Roma). Conta-se que o monge dominicano Johann Tetzel (representante do Arcebispo de Mains e do Papa) anunciava: "Quando o dinheiro cair na caixinha, o Céu estará recebendo a sua alminha".
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     Neste contexto histórico-religioso, relatam historiadores entre muitas controvérsias, que no dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano e professor de teologia Martinho Lutero (1483-1546), com sonoras marteladas, afixou na porta da igreja do Castelo de Wittenberg suas 95 teses contrapondo-se aos ensinamentos da Igreja (católica romana) quanto à natureza da penitência, a autoridade do papa e a (in) utilidade das indulgências. Suas teses logo são impressas e distribuídas em Leipzig, Nurenberg e Basiléia. O documento da indulgência garantia ao cristão que praticou esta boa ação (financeira), a garantia do perdão de Deus (indulto) e, por conseguinte, não precisava mais confessar seus pecados, pois, os mesmos já haviam sido perdoados pelo Papa.
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     Em 1518 Roma abre um processo por heresia contra Lutero e, dois anos mais tarde, o Papa Leão X ameaça puni-lo caso não revogue suas teses. Ao receber severas advertências e ameaçado de excomunhão, no dia 10 de dezembro de 1520, o “monge rebelde” queima a bula papal (em praça pública) em explícito protesto contra Roma, além de um livro de leis católicas e várias obras de seus opositores. Quando o Papa fica sabendo deste escandaloso espetáculo da incineração de sua bula lança sobre Lutero a maldição da excomunhão no dia 03 de janeiro de 1521. Aproveitando-se do momento, o pregador e vendedor das indulgências, seu irmão de ordem Tetzel, pede a fogueira para o “monge rebelde”.
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Representção da corte de Worms
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     Entretanto, alguns príncipes colocam-se do lado de Lutero e, crendo que através dele será possível limitar o poder de Roma, convencem o imperador a convidá-lo para ir defender suas ideias perante a corte imperial em Worms. Em abril de 1521 Lutero põe-se a caminho e, ao contrário do que desejava Roma, é recebido com entusiasmo durante todo o trajeto. Ele prega em Erfurt, Gotha e Eisenach antes de ser aclamado pelos cidadãos de Worms. Com o agravamento do caso o Imperador Carlos V desejava possibilitar que Lutero se retratasse a fim de amenizar a crise com Roma e, para tanto, convocou a Dieta de Worms (realizada na cidade do mesmo nome entre 28 de janeiro e 25 de maio de 1521). Não foi o que aconteceu. Nesta ocasião foi-lhe perguntado: "Lutero, repeles teus livros e os erros que eles contêm? ao que ele respondeu:
- Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão, porque não acredito nem no Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido à minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável."  
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     Nos dias seguintes ocorreram muitas conferências privadas para determinar qual o destino de Lutero e, antes que a decisão final fosse tomada, Lutero abandonou a Dieta. Durante seu regresso a Wittenberg ele desapareceu e o Imperador, no Edito de Worms (em 25\05\1521), declarou Martinho Lutero fugitivo e herege. Durante a viagem de volta, a firmeza de caráter do reformador é recompensada: o príncipe-eleito da Saxônia, Frederico, o Sábio, manda sequestrá-lo, conferindo-lhe guarida e proteção no isolado castelo de Wartburg onde o ex-monge começa sua grandiosa empreitada, ou seja, traduzir a Bíblia do latim (língua eclesiástica) para o alemão (vernáculo local).
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     Por outro lado, Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma “revolução religiosa” (mundial) que começou na Alemanha e se estendeu pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente nos Países Bálticos e na Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contra-Reforma (ou Reforma Católica) iniciada no Concílio de Trento (convocado pelo Papa Paulo III e realizado entre 1545-1563). Este foi o concílio ecumênico (no sentido universal) mais longo da história da Igreja Católica e também o que emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas, além de produzir resultados mais benéficos, duradouros e profundos sobre a fé e a disciplina na Igreja de Roma.
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Catarina von Bora
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     Em minha opinião, a maior contribuição de Lutero foi sua coragem e audácia em traduzir a Bíblia tornando-a não só um livro acessível como compreensível ao povo. Consequentemente, isso causou um grande impacto não só na Igreja alemã, como também na liturgia (na missa\culto) e na teologia cristã. Desse fato redundou o desenvolvimento de uma versão padrão da língua alemã que, além de adicionar vários princípios à arte de traduzir, favoreceu e influenciou a tradução para o inglês na versão popularmente conhecida como King James. Além disso, os hinos de Lutero também influenciaram o desenvolvimento do ato de cantar em igrejas, pois, isto era reservado aos monges. Por fim, seu casamento com Catarina von Bora (resultando em sete filhos) estabeleceu um modelo para a prática do casamento clerical, permitindo o santo matrimônio de “padres protestantes”.
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Pelotas, 30\10\2011, ad.
Rev. Ramacés Hartwig, ost
Bageense de “três costados!”
(*) Natural de Santa Catarina, Ramacés Hartwig - que foi pastor da Igreja Anglicana de Bagé durante vários anos, reside hoje na Colônia Santa Helena, no 8º distrito de Pelotas, onde é pároco da  área rural. Ramacés fez  doutorado, na cidade de Genebra, Suíça, quando  foi aluno do Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Sua tese foi sobre Ministérios, Ecumenismo e Diálogo Interreligioso, concluída, depois, em Jerusalém.
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Publicado em www.velhaguardacarloskluwe.blogspot.com
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Um comentário:

Luiz Carlos Vaz disse...

Texto claro e limpo. Objetivo. Didático ao extremo. Coisa de um legítimo "doutor". (Dizem que só os doutores é que conseguem se expressar com simplicidade....) Parabéns ao Blog por publicar um material tão bom - e apropriado para os dias de hoje - falando sobre um assunto bem (des)conhecido.